Toda transação de Fusão & Aquisição requer uma investigação do(s) ativo(s) negociado(s) no contexto da transação contemplada. Sim, é uma auditoria, mas não uma auditoria contábil para fechamento do ano fiscal (audit), mas uma auditoria transacional (due diligence) com escopo e objetivo muito bem definidos.
Entre outras coisas, queremos saber se nosso entendimento sobre o ativo em questão está correto e se as informações que nos passaram são verificáveis e confiáveis. Antes de se comprometer com a transação, e assumir uma obrigação, as partes (em especial o comprador) buscam validar o valuation e definir as condições de contorno do contrato de compra e venda (ou outros contratos dependendo da natureza da transação).
Due diligence é particularmente importante para empresas não listadas na Bolsa de Valores cujos requerimentos de divulgação de informação são mais estruturadas e estão sujeitas a um maior escrutínio pelo mercado. Quando o alvo é uma empresa listada, a due diligence pode ser bastante limitada e usualmente não envolve a troca de informações confidenciais/ informações que já não sejam públicas.
A due diligence muda de caso a caso e se conforma com i) as características da transação (que é específica em cada caso) e ii) aos objetivos das partes envolvidas (comprador, vendedor, assessor, etc). Embora não exista uma "receita de bolo", alguns fatores são comuns na execução de due diligence:
1. Conformidade alvo-comprador: fechar ou não fechar a transação - eis a questão. Recomendo começar pelo mais básico/ trivial/ elementar. Avalia-se o alvo pelo que ele é (on a stand-alone basis) e o alvo em conjunto com o comprador (com sinergias e des-sinergias). Avalia-se também o alinhamento das culturas organizacionais e o impacto da harmonização das práticas (impostos, RH, etc)
2. Informações financeiras: histórico financeiro, projeções e a fundamentação das projeções. É importante relativizar a análise através de KPIs – key performance indicators, ou múltiplos
3. Vendas, Produtos/Serviços e Base de Clientes: validar não só as vendas físicas e monetárias, mas a estrutura das vendas, verificação de contratos e suas condições, identificação de oportunidades (sinergias) e riscos (clientes que podem ser perdidos). Base de clientes é sempre um tema sensível e muitas vezes reservado para ser explorado no fim da transação. Produtos, dependendo da empresa, pode ser um tema mais ou menos sensível em função da sua especialização/generalidade
4. Contratos: avaliar a capacidade produtiva da empresa alvo, assim como serviços contratados de terceiros e para terceiros. O Comprador deve também entender a estratégia de marketing, investimentos e sua correlação com crescimento de vendas
5. Propriedades intelectuais e tecnológicas: os números (históricos e projetados) devem refletir os contratos vigentes. Como nem sempre é assim, é importante entender porque os contratos não são honrados, ou porque seu termos foram flexibilizados. Também importante entender o que pode mudar com a transação (é comum haver uma cláusula de vencimento antecipado se houver troca do acionista controlador - em contratos de dívida, por exemplo, é uma regra)
6. Propriedades intelectuais e tecnológicas: validar que estes ativos existem, que estão bem estruturados e protegidos, e incluídos (ou não) na transação
7. Ativos Operacionais e Outras propriedades: Ativos operacionais são aqueles indispensáveis para a geração de caixa operacional e recorrente, e inclui desde a fábrica até o ponto de venda. Há de se verificar seu estado, necessidade de investimento para expansão, manutenção e adequação às políticas da empresa e legislação vigente. Outras propriedades incluem outros ativos que não estão relacionados com a geração de caixa operacional e provavelmente não foram precificados no valuation por DCF e muitas vezes são excluídas da transação. Um ativo operacional, como um terreno, pode ser excluído da transação - neste caso estruturamos um contrato de longo prazo, normalmente em termos e condições de mercado
8. Seguros & Hedging: mais do que os contratos vigentes, é importante entender a política de empresa e as inclinações do CEO/Presidente do Conselho de Administração/ acionistas
9. Funcionários: a alma do negócio precisa ser avaliada. Qual o tempo de casa, nível de especialização, quem são os colaboradores fundamentais para a operação, quais são as grandes lacunas. Pode-se contemplar programas de retenção ou desligamento. Também importante pensar na comunicação com os funcionários pré e pós transação
10. Impostos: no "país dos impostos", o assunto é tão complexo quanto primordial. Busca-se conforto nas práticas da empresa, na validação e apreçamento de benefícios fiscais e aproveitamento de créditos tributários. Também se busca a configuração ótima para minimizar o pagamento de impostos no contexto da transação
11. Outros litígios, passivos e contingências: outros litígios, passivos e contingências: advogados e especialistas se debruçarão sobre todos os aspectos da empresa (trabalhista, tributário, ambiental, fiscal, etc...) dimensionando riscos contabilizados ou não, inclusive avaliando passivos potenciais não materializados e que podem ser catalisados com a transação
12. Regulatório e Anti-trust: o último passo, mas não o menos importante, pois no Brasil é condição para o fechamento de qualquer transação: O aspecto regulatório é importante para validar a operação e o negócio e considerar as consequências da transação sob este aspecto (ANEEL, ANATEL, ANVISA, etc). Há de se avaliar não só concentração de mercado como poder de mercado, considerando os potenciais remédios a se negociar com o CADE
13. Governança e Organização corporativa: assunto delicado a ser verificado pelos advogados do comprador, inclui uma revisão da governança corporativa passando também por missão, valores, etc, código de ética, acordo com sindicatos, registros de capital, lista das subsidiárias, etc
14. Questões ambientais: considerando que crime ambiental é inafiançável, o tópico é crítico e sensível para qualquer empresa. A segunda razão para cautela é o potencial custo para remediar uma questão ambiental - você não quer escrever um cheque em branco.
15. Transações entre partes relacionadas: é fundamental entender a extensão das transações entre partes relacionadas, incluindo qualquer relação dois a dois de acionistas-empresas-funcionários. Pode-se identificar fragilidades, bem como oportunidades
Cada um dos 15 macro-temas de due diligence acima é testado e avaliado com questionários, entrevistas e análise documental. O processo em si envolve especialistas das diversas áreas e em uma transação mais complexa pode envolver dezenas de profissionais. O assessor financeiro tem por hábito a responsabilidade de coordenar estes esforços, tangibilizar as conclusões e fazer refletir nas transação contemplada, com a assessoria de advogados.
Este é mais um daqueles passos em M&A que não é complexo, mas trabalhoso, e requer experiência para ser efetivo. Convém envolver especialistas para não se encontrar vulnerável e organizar as informações em um dos muitos serviços de data room online (salvo quando a transação tem apenas UM potencial comprador). É importante que este processo transcorra sem surpresas, de maneira tranquila e objetiva. M&A é estressante, especialmente nas etapas finais, e uma due diligence bem feita e bem conduzida servirá os interesses de comprador e vendedor.
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No próximo artigo vou tratar sobre o que fazer com o resultado da Due Diligence.
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José Securato é Sócio-Fundador da Saint Paul Advisors, uma boutique de M&A.
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